sexta-feira, 30 de março de 2018

O Silêncio como um punhal

O silêncio pode ser tão ensurdecedor. Vem acompanhado de barulhos de pensamentos, de memórias, que quase me rebentam os tímpanos. Tenho agora essa noção, de que o vazio auditivo é uma arma afiada. Custa-me viver em silêncio, necessito de estímulos sonoros que abafem a distorção causado pela ausência de som. Sei que um dia o silêncio virá limpo e isento de ruídos lacerantes.  Ainda não estou preparado para essa pureza que a ausência da desordem criada pelo silêncio corrompido me pode trazer. 
Este silêncio em que vivo sufoca-me. Prefiro os gritos de um bebé na sala de espera de um consultório, o ruído da máquina de lavar roupa a centrifugar, o ladrar de uma matilha de cães.. prefiro qualquer barulho ao ruído deste meu silêncio.
Para o To Zé

quarta-feira, 21 de março de 2018

Evolution road

Hoje sonhei contigo.
Vi-te de mão dada com alguém. Parecias tão feliz.
Senti a tua felicidade de uma forma despretensiosa.
No sonho eu estava em pé em frente a uma janela quando vos vi.
Estranho estar a pensar em ti naquele momento, ver-te com outro e não sentir dor. 
A realidade é tão diferente. Tão mais dura e angustiante.
Quando acordei senti um misto de emoções. Por um lado, ainda bem que tinha sido apenas um sonho, por outro senti que o caminho é este. 
Alimentar o desapego, mesmo quando não nos faz sentido. 
Há uns tempos atrás este sonho teria sido um pesadelo. Hoje foi uma espécie de epifania. Aceitar aquilo que não controlamos e sentirmos a felicidade daqueles de quem gostamos.
Finalmente começo a perceber que a minha bússola  já não está avariada. Leva-me para onde tenho de ir.
Não desisti de ti, mas percebi que tinha desistido de mim. Estou a reconstruir-me. 
De repente encontrei uma caixinha de ferramentas que me têm sido bastante úteis e que são a minha tábua de salvação.
Uma dessas ferramentas é um espelho, para onde olho quando acordo e me obrigo a dizer em voz alta que eu sou a pessoa mais importante e que vou trabalhar para alcançar objectivos que me tragam bons momentos.
Há tanto tempo que não me sentia tão tranquilo, tão isento de agonia.

Fade into you 


sexta-feira, 16 de março de 2018

Dias contados

Quero descobrir como se chega ao infinito
 Que se me revelem todos os prazeres enclausurados.
Sentir a suavidade da relva húmida nos meus pés descalços.
Quero que me expulsem sem contemplações do espaço e do tempo.
Que a descrença se converta em fragmentos de partículas de ar.
Desejo que a minha fome seja alimentada pelas minudências das palavras sem expressão.
Que a chuva não me molhe, mas me desperte.
Que a Primavera seja o apogeu do Inverno e que trave o Verão.
Rodopiar, ser uma roda centrífuga que me transforme em vácuo.
Quero que a morte não seja eterna, nem escura, nem sequer morte.
Quero umas vezes ser, outras desaparecer. Um fantasma de carne.
Beber da fonte que se esconde dos homens e cuja água límpida forma a Alma.
Correr contigo de mão dada e largar-te quando estiveres cansada.
Ficar preso numa fotografia a preto e branco emoldurada por cima de um altar repleto de velas apagadas.
Ser o principio e o fim da minha demanda encharcada de Esperança.
Quero que os meus olhos filtrem a luz que emanas; que te vejam opaca.
Que tudo aquilo que mais anseio exista em duplicado.
Quero que a paz e a tranquilidade me sejam servidas numa bandeja de ouro branco cravejada de rubis vermelhos sangue.
Que o convencional seja disforme e me vende os olhos, guiando-me a seu preceito.
Quero ir sem a certeza de voltar.
Para o Jeff

quinta-feira, 15 de março de 2018

Love can be grey

- Que sabes sobre o Amor?
- Que é volátil.
- Apenas isso?
- Também é puro, desmedido, irracional e venenoso.
- Só sabes isso sobre o Amor?
- Sei que mata. Destrói de dentro para fora. Como uma implosão.
- Sabes tão pouco sobre ele..
- Posso acrescentar que nos limita. Impede-nos de de andar em linha recta.
- O Amor tem cor?
- É branco e negro.
- Acreditas em magia?
- Não.
- Então nunca amaste...
Love sometimes can be smooth


domingo, 11 de março de 2018

Os Anjos vieram a Lisboa

No passado dia 8 fui ver o Concerto de Slowdive em Lisboa.
Confesso que não ia com grandes expectativas. A banda que não editava nenhum disco desde 1995, editou em 2017 provavelmente um dos melhores desse ano. 
Passaram mais de 20 anos e duvidava da forma dos músicos em palco.
Logo a abrir percebi que ia acontecer ali magia naquela noite. Abriram o concerto com "Slomo", faixa do mais recente albúm. Enquanto iam afinando as guitarras e acertando o ritmo da bateria, Rachel com a sua voz doce ia transmitindo ao público que estava tudo bem e que estavam apenas a aquecer.
A noite prosseguiu em crescendo. O público estava incondicionalmente com a banda e os Slowdive em comunhão com o público.
O alinhamento foi perfeito, Começam os primeiros acordes de "Alison", uma música que termina com a frase: I guess she’s out there somewhere”, que nos transporta para alguém importante que um dia perdemos e que talvez se olharmos para trás a voltemos a encontrar. É uma música sobre o fim de uma relação. A banda de Reading dá-nos o mote para a nostalgia, mas logo de seguida dá-nos a receita para voltarmos a encontrar a Esperança com o tema mais emblemático do novo disco, "Sugar for the Pill", que nos transmite de uma forma suave como tornar algo mau em algo mais tolerável.
As guitarras electrizantes, com efeitos surpreendentes, contrastavam com as vozes Angelicais dos dois vocalistas . Serão assim as vozes dos anjos, se as tiverem. 
Durante quase duas horas aconteceram momentos de verdadeira hipnose generalizada. Os silêncios respeitados. O êxtase  em sintonia com as notas. 
Foi notório quando o Concerto acabou o sorriso geral de um Público  que provavelmente saiu daquela sala de espectáculos com a certeza de ter assistido a um dos melhores concertos dos últimos tempos.
Um bocadinho deles

terça-feira, 6 de março de 2018

#Limbo2

Sobriedade.. Afinal o que é isto de estar sóbrio?
 Não beber, não usar drogas? Eu não faço nada disto e nunca estive sóbrio. 
 Dizem que estar sóbrio é estar limpo e sereno.
O que é essa merda de estar limpo e sereno? 
 Existem tantas outras formas de nos inebriarmos. 
Eu sou viciado em emoções. Injecto-as à bruta. 
Agora que nada sinto estou a ressacar ferozmente.
 Este deserto em que o meu peito se tornou, está a consumir-me.
 A minha cabeça está oca, vazia de qualquer desejo. 
A minha Alma fugiu-me.
 Esta ressaca que me consome conduz-me a um quarto negro onde já estive e não quero voltar. 
Dizem-me para ser mais racional. 
Digam a um tigre para se tornar vegetariano. 
 A minha Natureza não é essa.
 Podem pôr-me a dormir?
 É a única forma de conseguir ter Paz.
 Foda-se,  como se foge da agonia e do vazio?

Le coeur qui ne rentre pas

Hélas ! je n'étais pas fait pour cette haine 
Et pour ce mépris plus forts que moi que j'ai. 
Mais pourquoi m'avoir fait cet agneau sans laine 
Et pourquoi m'avoir fait ce coeur outragé ?

                   (...........)

Paul Verlaine
#dayone

quinta-feira, 1 de março de 2018

A minha pele como Relicário de Palavras.


Hoje rasgaram-me a pele com palavras. Ficarão lá gravadas enquanto a minha pele for pele.

O poder das palavras é algo demasiado valioso para ser subestimado. Algumas venero, outras desprezo; mas mesmo essas são portentosas. Não ouso sequer suaviza-las ou mascará-las.

Há quem valorize os actos em comparação com as palavras. Mas as palavras são actos enclausurados num qualquer Tempo cujo significado pode ter mais acervo do que um qualquer outro feito.
Valorizo aquelas que são secretas, ditas ao ouvido. Num tom baixinho como todas as palavras preciosas devem ser pronunciadas.
Ha aquelas mais pálidas, inseguras, fruto de um filtro que as transforma e lhes dá o poder de mudar o significado.
Recebo-as de mão aberta quando vindas desamparadas. Porque às vezes são tão frágeis que necessitam de quem as cuide.
As de Cristal.. essas pego-lhes com luvas brancas de algodão, com o cuidado com que se agarra num recém-nascido e posou-as numa caixa forrada a veludo .
Sou um Curador de palavras. Umas exponho-as em lugar de destaque , outras disponho-as numa espécie de parede branca como um degradê cronológico, outras guardo no armazém da cave e resgato-as sempre que a necessidade assim o exija.
As Palavras. Para sempre as palavras como um emaranhado de fios de seda que com a precisão de um bom tecelão se desenrolam suavemente na memória.
Words