sábado, 22 de junho de 2019

O meu pequeno coração.

É tão complicado fazer um adulto feliz e tão fácil satisfazer uma criança. Dedicar tempo ao meu filho, faz-me sair da minha concha negra e obscura.
Quando penso que estou sem forças, olho para ele e tudo aquilo que me assombra deixa de fazer sentido.
Invejo-o.. Contenta-se com tão pouco.
Estamos no jardim, temos conversas profundas acerca da velocidade que um baloiço pode atingir. Eu sugiro uns 10km/h. Ele contrapõe e acha que pode atingir 200.. Se o Pai Natal existe, porque não pode um baloiço atingir 200 km/h?
Chegaram entretanto uns meninos com uma bola e ele está a jogar com eles. Enquanto escrevo vou olhando para ele, porque ele quer a minha aprovação e que eu sinta orgulho quando consegue fazer uma finta ao adversário.
É estranho como neste momento sinto que necessito mais dele, do que ele de mim. No fundo necessitamos um do outro em medidas iguais.
Vê-lo crescer tem sido o melhor presente que já me foi oferecido e é uma prenda diária.
Hoje consigo sentir gratidão. Tenho-me sentido tão seco e vazio, que sentir algo tão bom faz-me acreditar que afinal a minha caixa de ferramentas não está vazia.
Esta paz que estou a sentir é uma dádiva que tenho de valorizar.
O meu coração tem andado avariado, mas afinal tenho outro que bate por dois.
Hoje sinto-me completo. Neste momento não queria estar noutro lugar, nem com outra companhia. Tenho aqui o meu coração pequenino a bombear sangue por ele e por mim.


domingo, 16 de junho de 2019

2019 o ano da minha morte..

Ontem percebi que o ano de 2019 foi o ano da minha morte.
Que do Passado não quero guardar memórias, que no Futuro não existirei e que o Presente me começa a rasgar.
Ontem senti que já não sei lidar com metáforas, que me esqueci de todos os adjectivos e que começo a ser um Pleonasmo constante.
Funciono a corda e o mecanismo está a chegar ao fim.
Ontem não consegui chorar. Estou seco. Já não sinto a leveza dos entardeceres. Não me deslumbro com a luz que Lua cheia emana.
Sinto-me submerso em águas negras e não sentir medo significa que me resignei.
Ontem ouvi e não fui ouvido. Fui escrutinado sem direito a defesa.
Amarrado, amordaçado e injustiçado.
Não me assusta a morte nem sequer a vida. Tenho pavor da descrença, da maldade e da ingratidão.
Ontem dei uma queda enorme no meio de tantas pessoas. Ninguém me ajudou a levantar, porque neste momento sou invisível.
Também se morre de solidão, de vazio, de não pertencer.
Ontem não senti calor, nem frio. O meu termostáto avariou e com ele todos os meus sentidos.
Ando há tempos a largar pequenas migalhas como se de uma pista se tratasse. O vento leva-as, desaparecem e eu vou desaparecendo lentamente.
Ontem fui aquilo que nunca havia sido. Aquilo que nunca fui. O que nunca serei.
Já sai do Limbo e encontro-me neste momento no purgatório. Consciente.
Não foi o cansaço que me derrotou. Fui eu quem escolheu.
Ontem, quando percebi que este tinha sido o ano da minha morte, pela primeira vez percebi que o Tempo não nos gasta, somos nós quem desperdiça o Tempo.

nothing reaaly ends

sábado, 8 de junho de 2019

Conta-me um segredo (2)

Entre o deve e o haver.
Poderíamos conjugar verbos indefinidamente. Sorver adjectivos compulsivamente.
Teríamos tempo. Bastante tempo.
Conseguiríamos abdicar das analogias.
Entre a Fé e a descrença.
Andaríamos de mãos dadas. Sempre com a Esperança de que o Passado não nos dividisse.
Seríamos um. Seríamos apenas os dois.
Entraríamos por qualquer porta livres de medo.
Entre a vida e a morte.
Escolheríamos sempre prolongar o Tempo. Acrescentar-lhe aço.
Iríamos para onde a brisa límpida das manhãs de Primavera nos levasse.
Sorriríamos porque é de sorrisos que nos alimentamos.
Entre o veneno e o antídoto.
Deixaríamos tudo aquilo que é tóxico. Não nos iríamos nunca render ao acessório.
Vestiríamos a farda de soldados disciplinados. Leais e destemidos.
Entre tudo aquilo que é nada.
Empunharíamos as nossas espadas, forjadas na lava de um vulcão. Indestrutíveis.
Combateríamos gigantes disfarçados de anões e no final não  nos renderíamos.

Entre ficar e partir existe o verbo parar. Depois e apenas depois vem o verbo decidir. 



It´s all here