terça-feira, 23 de julho de 2019

As semelhanças entre as diferenças.

Ele era impulsivo, não tinha filtros, destemido, vivia um dia de cada vez como se no dia seguinte pudesse já não existir. Desorganizado, insano, sem noção da sua fragilidade. Emotivo, irracional, sensível. Fugia dos lugares comuns, não olhava para espelhos, isento de expectativas. Amava a beleza nas suas várias formas, inebriava-se com ela. Alma pura, maior inimigo dele próprio. Saltava de olhos abertos, atirava-se num loop consciente, possuía milhares de cicatrizes.
Ela era reservada, tinha a necessidade crónica de sentir controlo, organizada. Sentia medo, trocava as emoções pela razão. Dona de várias capas e máscaras, não saia de casa sem elas. Abominava a sua fragilidade, buscava incessantemente ser independente. Não fazia uma escalada sem usar uma corda de proteção. Procurava a beleza, mas não parava para a contemplar. Criava o seu Mundo perfeito, mas vivia numa outra dimensão.
Ambos estavam presos numa solidão corrosiva. partilhavam o mesmo sonho, mas não corriam atrás dele.
Nunca perceberam que aquilo que os uniu, foram as suas diferenças e não aquilo que tinham em comum. Nunca compreenderam que precisavam daquilo que cada um deles tinha para oferecer ao outro. Que o que não tinham em comum seria o que os poderia salvar, equilibrando-os.
Como em todas as boas estórias, existiam fantasmas e demónios. Eles tinham um poder imensurável, o de afastar esses fantasmas e esses demónios um do outro. Não tiveram tempo de chegar lá. Não o perceberam. Desistiram sem o saberem.
Viveram sempre a um metro de distância um do outro. Os abraços nunca foram reais. Quando andavam de mão dada, não se apercebiam que as suas mãos não se tocavam.
Ele estava em pedaços, ela estava estilhaçada. Nenhum deles tinha essa noção.
Ele parou de fugir dele e agora foge dela. Ela fugiu dele e agora ele espera que esteja a fugir para ela.
Run to you

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Ainda só vais a meio.

Sinto que finalmente começo a preencher vazios.
Esta semana consegui finalmente encerrar um capítulo que me atormentava e que me trazia maus momentos.
Foi com imensa dificuldade que o fiz, mas enterrar este peso, fez com que finalmente conseguisse começar a fazer o meu luto.
Estou cada vez mais focado em mim e isso tem-me trazido resultados bastante positivos.
Na semana passada , fechei-me em casa sozinho e lidei com a minha Solidão constante.
Esta semana comecei a fazer caminhadas no final do dia. Tenho tido óptimos momentos. Há tanto tempo que não sentia esta serenidade, esta tranquilidade de chegar a casa sozinho e sentir aquele espaço como zona de conforto, como um Porto de abrigo.
Por vezes somos demasiado definitivos, demasiado trágicos. Há bem pouco tempo, a núvem negra que pairava sobre mim, não me permitia acreditar que dias de Sol viriam.
Estamos sempre à espera de um milagre e a maior parte das vezes o segredo está em nós.
Não houve nenhuma varinha mágica que me transformasse os dias negros e vazios, em dias de esperança e de mudança.
Pedi ajuda, porque tive consciência de que sozinho não estava a ser capaz e baixei os braços e deixei que me dessem a mão neste percurso que me estava a levar à loucura.
Comecei a mudar alguns hábitos, a deixar de estar com algumas pessoas, a gostar mais de mim e daqueles que me são verdadeiramente importantes e começo finalmente a ter momentos de paz, a sorrir e a ser cada vez mais uma melhor pessoa.
Percebi que preciso de tão pouco para ter momentos de felicidade.
Já sei qual o caminho a seguir, é longo e por vezes será sinuoso, mas vou-me esforçar para não me desviar e não desistir a meio.
Ninguém me pode salvar a não ser eu próprio e esse é o meu plano a longo prazo. Com ajuda, porque como alguém disse um dia: - Nenhum Homem é uma ilha.


sábado, 22 de junho de 2019

O meu pequeno coração.

É tão complicado fazer um adulto feliz e tão fácil satisfazer uma criança. Dedicar tempo ao meu filho, faz-me sair da minha concha negra e obscura.
Quando penso que estou sem forças, olho para ele e tudo aquilo que me assombra deixa de fazer sentido.
Invejo-o.. Contenta-se com tão pouco.
Estamos no jardim, temos conversas profundas acerca da velocidade que um baloiço pode atingir. Eu sugiro uns 10km/h. Ele contrapõe e acha que pode atingir 200.. Se o Pai Natal existe, porque não pode um baloiço atingir 200 km/h?
Chegaram entretanto uns meninos com uma bola e ele está a jogar com eles. Enquanto escrevo vou olhando para ele, porque ele quer a minha aprovação e que eu sinta orgulho quando consegue fazer uma finta ao adversário.
É estranho como neste momento sinto que necessito mais dele, do que ele de mim. No fundo necessitamos um do outro em medidas iguais.
Vê-lo crescer tem sido o melhor presente que já me foi oferecido e é uma prenda diária.
Hoje consigo sentir gratidão. Tenho-me sentido tão seco e vazio, que sentir algo tão bom faz-me acreditar que afinal a minha caixa de ferramentas não está vazia.
Esta paz que estou a sentir é uma dádiva que tenho de valorizar.
O meu coração tem andado avariado, mas afinal tenho outro que bate por dois.
Hoje sinto-me completo. Neste momento não queria estar noutro lugar, nem com outra companhia. Tenho aqui o meu coração pequenino a bombear sangue por ele e por mim.


domingo, 16 de junho de 2019

2019 o ano da minha morte..

Ontem percebi que o ano de 2019 foi o ano da minha morte.
Que do Passado não quero guardar memórias, que no Futuro não existirei e que o Presente me começa a rasgar.
Ontem senti que já não sei lidar com metáforas, que me esqueci de todos os adjectivos e que começo a ser um Pleonasmo constante.
Funciono a corda e o mecanismo está a chegar ao fim.
Ontem não consegui chorar. Estou seco. Já não sinto a leveza dos entardeceres. Não me deslumbro com a luz que Lua cheia emana.
Sinto-me submerso em águas negras e não sentir medo significa que me resignei.
Ontem ouvi e não fui ouvido. Fui escrutinado sem direito a defesa.
Amarrado, amordaçado e injustiçado.
Não me assusta a morte nem sequer a vida. Tenho pavor da descrença, da maldade e da ingratidão.
Ontem dei uma queda enorme no meio de tantas pessoas. Ninguém me ajudou a levantar, porque neste momento sou invisível.
Também se morre de solidão, de vazio, de não pertencer.
Ontem não senti calor, nem frio. O meu termostáto avariou e com ele todos os meus sentidos.
Ando há tempos a largar pequenas migalhas como se de uma pista se tratasse. O vento leva-as, desaparecem e eu vou desaparecendo lentamente.
Ontem fui aquilo que nunca havia sido. Aquilo que nunca fui. O que nunca serei.
Já sai do Limbo e encontro-me neste momento no purgatório. Consciente.
Não foi o cansaço que me derrotou. Fui eu quem escolheu.
Ontem, quando percebi que este tinha sido o ano da minha morte, pela primeira vez percebi que o Tempo não nos gasta, somos nós quem desperdiça o Tempo.

nothing reaaly ends

sábado, 8 de junho de 2019

Conta-me um segredo (2)

Entre o deve e o haver.
Poderíamos conjugar verbos indefinidamente. Sorver adjectivos compulsivamente.
Teríamos tempo. Bastante tempo.
Conseguiríamos abdicar das analogias.
Entre a Fé e a descrença.
Andaríamos de mãos dadas. Sempre com a Esperança de que o Passado não nos dividisse.
Seríamos um. Seríamos apenas os dois.
Entraríamos por qualquer porta livres de medo.
Entre a vida e a morte.
Escolheríamos sempre prolongar o Tempo. Acrescentar-lhe aço.
Iríamos para onde a brisa límpida das manhãs de Primavera nos levasse.
Sorriríamos porque é de sorrisos que nos alimentamos.
Entre o veneno e o antídoto.
Deixaríamos tudo aquilo que é tóxico. Não nos iríamos nunca render ao acessório.
Vestiríamos a farda de soldados disciplinados. Leais e destemidos.
Entre tudo aquilo que é nada.
Empunharíamos as nossas espadas, forjadas na lava de um vulcão. Indestrutíveis.
Combateríamos gigantes disfarçados de anões e no final não  nos renderíamos.

Entre ficar e partir existe o verbo parar. Depois e apenas depois vem o verbo decidir. 



It´s all here


quarta-feira, 27 de março de 2019

Um ano do caralho

Faz um ano em que estivemos juntos pela primeira vez. Desde a nossa primeira noite nada mais foi igual na minha vida.
A nossa cumplicidade e o nosso Amor têm-me proporcionado momentos repletos de felicidade.
Somos tão diferentes, mas ao mesmo tempo Almas Gémeas. Enquanto uns lançam magia, nós lançamos o pânico.
Nunca mais nos separámos e as nossas viagens têm sido incríveis. Divertimo-nos de uma forma tão única. Somos casados, amantes, irmãos, amigos. Somos sempre aquilo que os outros esperam que sejamos, mas no fundo somos algo que só nós sabemos.
Dizemos imensas asneiras, vamos a Festas de crianças, mesmo quando as minis não são Sagres e temos de fazer o sacrificio de beber Super Bock. Vais-me buscar à cama do jardineiro, quando me engano no quarto e me deito ao lado dele.
Tem sido uma aventura fantástica.
Obrigado por fazeres parte da minha vida.



quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O ano de 2018 revisto muito resumidamente (maldita preguiça)

Há muito que não escrevo. Não me tem apetecido. Pura preguiça.
Tenho recebido alguns e-mails onde me perguntam se está tudo bem comigo e qual a razão pela qual não tenho escrito.
Tendo já respondido a uma das questões, irei de seguida responder à outra.
Estou óptimo, feliz e sobretudo em paz.
Faz precisamente um ano em que tudo mudou.
Em Janeiro de 2018 senti a minha Vida desmoronar-se literalmente.Se hoje mais do que Fé, tenho certezas, há um ano senti-me mergulhado em areias movediças. Sem retorno. Sem perpectivas de haver uma corda à qual me agarrar.
Durante a minha existência já tive de recomeçar algumas vezes. Fazer reset e manter a cabeça à tona, mesmo com pedras atadas às minhas pernas.
Passei por uma fase de uma tristeza sombria e gelada, depois de descrença, de raiva e confesso que amaldiçoei o Universo por ser tão filho da Puta.
Na noite de 06 de Março de 2018 foi quando tudo começou a mudar e alguém me atirou uma corda onde me agarrar.
Sozinho não teria sido capaz de sair dalí. Uma simples mensagem enviada em completo desespero, foi sem eu na altura ter noção o meu salto de Fé.
Alguém me puxou e até ao dia de hoje não mais saiu da minha vida.
A partir daquele dia nada mais foi igual.
Não sabia eu ainda que uns meses mais tarde seria eu a atirar uma bóia de salvação a essa Pessoa.
Não é que o filho da puta do Universo tem uma noção de equilíbrio e de Justiça único?!
O ano de 2018 acabou por ser um dos piores anos das nossas vidas, mas também um dos melhores.
O teu fardo foi bem maior do que o meu; mas tenho a certeza que a minha presença acabou por aliviar um pouco o peso que tiveste de carregar.
Este ano vamos comemorar o dia 6 de Março com um piquenique no Central Park. Não vejo melhor forma de reavivar esta data tão importante.
A segunda metade de 2018 foi fantástica. Fiz a viagem da minha vida. Marcou-me imenso (fisicamente também; ainda tenho as marcas das rochas do Malecon na minha pele). Conheci lugares mágicos, pessoas fantásticas, que confiavam cegamente em nós para as levarmos para aqueles sítios nada turísticos e ficavam deslumbradas pela nossa conexão.
Acrescentei outras Pessoas cujo carinho tanto me enche.
Fiz o meu luto e estou com alguém que me faz tanto sentido.
2018 acabou por ser o meu ano. Evoluí tanto. Estou agora rodeado de boas energias.
Aprendi também que nem sempre se deve desculpar. Existem pessoas tóxicas que nos fazem mal e a quem não devemos dar a outra face. Isto tem o nome de sobrevivência.
Não esquecer o bem que nos fazem, mas também não olvidar o mal que nos causam.
Fazendo uma retrospectiva lúcida, os erros que cometi prejudicaram-me sobretudo a mim. Investi tudo numa relação e esqueci-me de que sou eu a base do meu equilíbrio.
O mais curioso é que quando essa relação terminou, foi-me dada a oportunidade de olhar para dentro e fazer as coisas de forma diferente. Claro que não o percebi logo.
Sustentar o nosso bem estar através de alguém, não só é um erro crasso, como confere uma enorme responsabilidade à outra pessoa. É uma forma de egoísmo (no meu caso) inconsciente, que provoca mazelas e que desgasta.
Podemos dar tudo, não temos é o direito de pensar que a outra pessoa fica obrigada contratualmente a corresponder às nossas expectativas. Especialmente quando nada nos exigem.
Por outro lado também me senti muito magoado com algums atitudes. Fui acusado de coisas horríveis injustamente, quando apesar das minhas lacunas, existem barreiras que eu não transponho. Felizmente tive alguém do meu lado que presenciou in loco essas injustiças e que sabia que não passavam disso; de graves injustiças.
Tenho também de falar da gratidão que sinto pelos amigos que já tinha e que sempre estiveram disponíveis para mim, apesar de muitas vezes eu me afastar; e pelos novos que ganhei durante o ano de 2018, que me encheram e enchem de carinho e me provocam sorrisos constantes.
Para o final deixei a pessoa mais importante, aquele que me ama de uma forma incondicional e que me proporciona momentos únicos de felicidade. O meu Filho.
Está a crescer tão bem, as pessoas que me rodeiam sentem tanto carinho por ele que por vezes me emociono pela forma como se relacionam com ele.
Foi-lhe agora diagnosticada dislexia, algo que eu e a mãe dele já suspeitávamos. Tem tido algumas dificuldades na Escola devido a este problema e temos trabalhado imenso com ele, para tentar minimizar o desconforto e a dificuldade que ele sente.
É uma criança tão meiga e com um sentido de adaptação que me enche de orgulho.
Um bom 2019 para todos e que eu consiga trilhar o meu percurso este ano da mesma forma como terminei 2018.
Abandonado para poder ser resgatado

sábado, 20 de outubro de 2018

A miúda que escolheu o sapo em vez do Príncipe.

Ontem quando te telefonei para te convidar a vir a minha casa para assistires ao video que fiz das minhas últimas Férias, por mais estranho que pudesse parecer à generalidade das Pessoas, não senti que estivesse a correr qualquer risco.
Tu melhor que ninguém sabes que gosto de correr riscos. Não aqueles calculados. Por isso o meu convite teve unicamente a ver com partilha.
Eu sei que aquilo que irias ver não te iria em nada surpreender. Conheces-me demasiado bem.
A nossa relação sempre foi pautada pelo respeito e é por isso que ontem tive uma das melhores noites dos últimos tempos. A nossa cumplicidade é, sempre foi genuína.
Conheces tão bem a minha essência, que se eu te tivesse contado o contrário daquilo que ontem viste, nunca irias acreditar em mim; e é exactamente isso que faz de ti uma pessoa tão especial.
Fala-se tanto de aceitação, mas pratica-se tão pouco.
Enquanto assistíamos os três ao vídeo, nas imagens mais fortes eu olhava para ti e via o teu sorriso, de quem sabe que aquele maluco é exactamente assim e que precisa de toda aquela adrenalina para ser verdadeiramente feliz.
Tenho noção que não incentivas, mas também não julgas e que se for preciso serás a primeira a amparar-me a queda.
Viste como fui feliz nestas Férias e senti da tua parte uma felicidade genuína por o teres presenciado e sentido.
O resto da noite foi perfeito e só quando recebi aquele telefonema do outro lado do Atlântico é que percebemos que o relógio se tinha adiantado a nós e que eu estava quase a ir trabalhar.
A sms que me enviaste enquanto ainda estavas comigo, deixou-me a sorrir como um tolinho.
As minhas próximas férias, serão também as tuas. Sabes que serão diferentes daquelas que tens tido, mas também sei que o desejas tanto quanto eu.
Confesso-te também que hoje me alegrou ter-te oferecido três desejos e tu teres guardado um deles. Afinal não se devem desperdiçar desejos, já que são tão sagrados. Eu já tinha concretizado um dos que me ofereceste e hoje concretizei o segundo. O outro também irei guardar.
Tenho a certeza de que a noite de ontem ainda nos aproximou mais e estou radiante porque sei que hoje estarei novamente contigo.
Já quase que sei dizer o teu nome e isso também me enche de orgulho. Tu és paciente e sabes que lá chegarei.
Até já miúda gira...

Everything I Am Is Yours

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Cesto de vime.

A Felicidade pode ser servida em gramas.
Queremos quilos dela e não nos apercebemos que ela cabe num grão de areia.
Andaremos demasiado distraídos, ou em negação?
É tão mais fácil deixarmo-nos levar pela corrente, do que lutar contra ela.
Ainda assim, preferimos na maior parte das vezes remar contra algo que afinal apenas nos está a levar para terra segura.
É a nossa dificuldade em aceitar o desconhecido.
Querermos controlar o incontrolável.
Não existem Vidas vazias.
Existem Corpos vazios. Despojados de Alma.
A Alma é uma semente que tem de ser alimentada para germinar e florescer.
Quantas vezes nos esquecemos de a regar.
Somos preguiçosos congénitos, que estamos sempre à espera que alguém se lembre que existimos.
Valorizamos o acessório e perdemo-nos na estrada que nos levaria ao essencial.
Somos feitos de ferro forjado, mas sentimo-nos como que de cristal.
Obstinados, incongruentes e ao mesmo tempo conformados.
A antítese do Ser sumptuoso que deveria de aflorar em cada um de nós.
Odeio tudo aquilo que é definitivo.
Desprezo aqueles que ferem crianças com o seu egocentrismo e com uma frieza assustadora.
Adoro as crianças porque só elas conhecem o amor incondicional e só elas ficam confusas quando de repente os adultos que elas veneram se afastam sem olharem para trás.
Com os anos tenho aprendido a não perdoar e faz-me tanto sentido porque existem actos que não se podem perdoar.
Comecei por falar de Felicidade..




Diz?

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Sem sonda.

Ainda me recordo de ser alimentado através de uma sonda. Não foi assim há tanto tempo. Porém existem várias formas de medir o Tempo. Apesar desta recordação ser tão próxima, tenho a sensação de que o Tempo se foi desdobrando e acrescentando mais tempo, parecendo dessa forma que algo tão recente se tenha transformado numa memória ténue fruto de um Passado longínquo.
Parecia tudo tão mais fácil, sem exigir grande esforço. 
Limitava-me a deixar que o alimento viesse até mim sem ter sequer de o mastigar.
À distância percebo que tudo estava errado. Que a letargia à qual me entreguei e que me parecia tão confortável, era na verdade um muro revestido a arame farpado que não me permitia ver aquilo que estava para além dele.
Não havia dor. Não havia angústia. 
Aquilo que existia era na verdade uma realidade disfarçada pela necessidade que eu tinha em acreditar que o Paraíso terminava onde começava o muro e que por detrás dele apenas deserto.
Quando me retiraram a sonda, veio o pânico, a dificuldade em aceitar que me conseguiria alimentar sozinho, sem o auxílio de algo externo.
Eu não sabia, mas consegue-se aprender a mastigar de novo. 
Foi um processo que para mim exigiu um esforço enorme, mas que gradualmente me tem proporcionado manjares divinais que provocam fogo de artifício no meu palato.
Comigo teve de ser à bruta. Talvez fosse mesmo a única forma. 
Hoje não saio de casa sem fazer o meu café de saco, as minhas duas torradas com queijo da ilha e fiambre, os meus 3 ovos mexidos e sentar-me à mesa a desfrutar da minha primeira refeição do dia. Deixei de correr, de sair à pressa com um bocado de pão na mão e comê-lo apressadamente, sem sequer lhe sentir o sabor.
O melhor de tudo é que quando me sento de manhã naquela mesa, não me sinto só. Deixo-me levar pelo prazer que o alimento que hoje eu preparo para mim com tanto afinco, me proporciona.

Nunca é tarde demais para recomeçar. A dor e a angústia têm vindo a ser substituídas por algo novo, uma ementa de novos sabores com ingredientes cuidadosamente selecionados
Enter and close the door.