terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Margens

A margem de um rio separava-os. Ele, em pé com os pés dentro de água. Ela sentada no velho Cais, agora em ruínas onde milhares de barcos descarregaram cereais vindos dos Campos da Lezíria.
Olhavam-se ao longe. Em silêncio porque é no silêncio que as almas viajam.Na margem onde ele permanecia de pé, imóvel, imune ao frio que lhe congelava os pés, havia um velho barco a remos. Podia embarcar e ir ao encontro dela. Podia resistir e esperar um sinal. 
Não sentia medo. Não havia nada que o impelisse a ir ou a ficar. Havia um certo conforto naquele vai e não vai, como se nada dependesse dele . É certo que o barco estava na sua margem, mas talvez sentisse demasiada fadiga para remar. Nem sequer se tratava daquilo que mais importava; era a Paz que sentia que o fazia permanecer imóvel. Ela não conseguia chegar até ele. Não porque não tivesse meios para o fazer, nem por uma questão de vontade. Apenas porque às vezes não se consegue, sem justificações, sem uma razão racional.
Ambos se sentiam confiantes , sem dúvidas e sem quaisquer certezas. 
Não era o Rio que os separava. Na realidade apesar da distância continuavam próximos. Tão próximos como duas almas que um dia se cruzaram e se diluíram uma na outra tornando eterno esse misturar de partículas etéreas. 
Olhavam nos olhos um do outro e sorriam porque há olhares construídos de pureza despojada de qualquer dúvida ou obrigação. 
O Sol descia e a noite vinha devagarinho, até se tornar numa cortina negra que impedia que se continuassem a ver. 
Talvez lá tivessem continuado, imóveis nas suas margens; ou ele remasse ao seu seu encontro; ou então quando o dia raiou as margens estivessem vazias deles,  mas repletas de fragmentos de algo que perduraria para sempre no Tempo.


https://youtu.be/5PC68rEfF-o

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Deviam existir preservativos no século XVIII

Tenho um ódio de estimação. Immanuel Kant e o seu relativismo conceptual.
Para aqueles que o adoram, as minhas nada sinceras desculpas.
“Somos aquilo com que nascemos à priori”, diz o farsante.
Para mim isso soa-me a apologia à preguiça e ao crescimento empírico enquanto indivíduos.
Foda-se, somos muito mais do que aquilo que trazemos da barriga das nossas mães. Somos as escolhas que fazemos, somos o somatório das experiências que vivemos e justificarmos as nossas limitações pelo facto de termos uma personalidade formada antes de sairmos da cona das nossas mães, é a maior das Hipocrisias e do cinismo humano.
Kant era religioso, o que até me faz com que lhe dê um pequenino desconto. Afinal é mais fácil entregarmos os nossos destinos e as não escolhas a um Deus que nos manipula e que nos isenta de qualquer responsabilidade.
Ninguém nasce assassino, ninguém nasce não assassino. Ou então não precisamos de nos preocupar em fazer escolhas, ou jogar no Euromilhões.
Que se foda o Kant, nunca o perdoarei por ter tido apenas 17 valores em Filosofia por ter embirrado com ele.
Era só isto...

(P.S). Se alguém quiser elaborar ou desconstruir, que esteja à vontade.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Sonhos com aromas

Hoje sonhei que tinha entrado num Autocarro vazio. Literalmente vazio, sem condutor nem passageiros. Sentei-me num dos bancos azuis e fiquei à espera que começasse a andar.
Estranhamente continuava parado e vazio. Ali permaneci sem qualquer pressa. 
Enquanto esperava sentado, surgiram-me várias memórias. Recordei-me da vez em que parti a perna em criança enquanto andava de bicicleta. Das noites em que subia ao telhado da casa de Férias dos meus Pais e me encostava à chaminé a fumar cigarros, a olhar para as estrelas e a escrever cartas à minha melhor amiga de então que passava as férias de Verão na Nazaré. Do meu primeiro dia de Escola e da excitação que senti ao entrar na sala de aula. Das broas de azeite e mel e que a minha avó materna fazia no velhinho forno a lenha e que as comia quentinhas com cacau quente. Do dia em que bati num colega da minha turma porque gozava com um dos outros que tinha asma e não podia jogar connosco à bola e que me valeu um mês de castigo sem ir ao recreio. Da primeira vez que vi o meu irmão e o peguei ao colo e de até então nunca ter sentido tanto Amor por alguém . Do dia em que fugi de casa porque tinha lido um livro sobre um homem que vivia numa floresta e fiquei tão encantado que queria fazer o mesmo. De quando a minha mãe teve de ficar internada no hospital uns dias e de como foi difícil para o meu pai,  para mim e para o meu irmão essa separação. Do meu primeiro beijo bastante atabalhoado. Do meu cão Jacky e do meu gato Spínola...
Percebo agora que não entrei num Autocarro, entrei numa máquina do Tempo que me transportou a lugares no Tempo que de alguma forma me marcaram e que ainda perduram nas minhas memórias. 
Acordei com uma sensação de conforto e nostalgia de coisas boas e outras menos boas, mas que me moldaram e me tornaram naquilo que sou hoje.
Adoro viajar, é das minhas predileções; Hoje fiz uma viagem no Tempo num autocarro de bancos azuis.
Time Machine

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Estranhos enganos

Por vezes queremos falar com o João e quando damos por nós estamos a falar com a Joana.
Estranho.. de onde apareceu esta Joana? 
Será o Universo a testar-nos? Porque de repente aquilo que tinha para dizer ao João deixa de fazer sentido quando aquilo que a Joana tem para me oferecer é exactamente aquilo que eu precisava naquele momento.
Não sei para onde foi o João, nem de onde apareceu a Joana; mas é-me oferecido de bandeja o equilíbrio que eu tanto necessitava. Bem vinda Joana, até já João.
Mais do que Amor, Paixão, ou alguém que nos carregue ao colo, aquilo que mais falta nos faz é não sentirmos a necessidade de nos sentirmos sós. A solidão é terrível quando não a buscamos. 
Preciso do João, mas não tinha noção do quanto estava a precisar da Joana. 

Gosto de portas abertas, nunca se sabe quando poderá entrar uma Joana e mudar a nossa forma de olhar para aquilo que se está a passar à nossa volta.
Para o Joao e para a Joana

A Alma em retalhos


Sou por norma um céptico. Não acredito em Deus, nem no Céu, no Paraíso ou no Inferno.
Ultimamente acredito que as pessoas possuem uma Alma. Que habita nelas e que se vai dividindo e espalhando pelos sítios por onde passam.
Consigo sentir essa presença nos lugares que marcaram de alguma forma a passagem de pessoas que me são ou foram queridas. 
Ficou lá um bocadinho das suas almas, como um marco intemporal e continuo.
Normalmente aquilo que absorvo nesses lugares são pequenas doses de Nostalgia. Umas vezes abrem feridas, outras provocam sorrisos. 
Gosto de acreditar que a Alma é a essência mais pura das Pessoas, a sua base e a sua verdadeira identidade. 
Hoje passei por alguns desses lugares e senti a tua presença em cada um deles. 
Provocou-me sensações díspares, mas intensas.

Acredito que a Alma perdura para sempre , não como uma memória mas como um conjunto de retalhos daquilo que somos de verdade.
 The sound of silence

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Coisas que me irritam.

Irritam-me copos meio cheios e copos meio vazios. Sou pela conformidade.
Irritam-me aqueles que sabem tudo aquilo que é melhor para mim. Quando eu não faço a puta da idéia daquilo que é melhor para eles.
Irritam-me as pessoas que saiem de uma sala de cinema e divagam sobre a intenção do Realizador, quando não perceberam um caralho do argumento.
Irritam-me os tipos que passam por mim na rua e que me pediram amizade no Facebook e nem sequer um Bom dia me dão.
Irritam-me os Políticos a discutir Política.
Irritam-me os Pet Freendly que não apanham a merda dos seus cães no chão.
Irritam-me aqueles que passam a vida a queixarem-se de tudo e de nada.
Irrita-me a letargia.
Irrita-me a disparidade que existe entre a Inteligência e Esperteza.
Irrita-me precisar tanto de auto-estima.
Irrita-me ter aquilo que preciso e ainda assim nunca ser suficiente. Chega a ser penoso não saborear.
Irrita-me comer mal e pagar bastante.
Irrita-me a ingratidão.
Irrito-me com a arrogância .
Irrita-me a minha falta de filtro.
Irrita-me quando vou a um concerto e que o som não esteja em perfeitas condições.
Irrita-me a prepotência.
Irrita-me que me toquem no esterno.
Irrita-me a assertividade e a falta dela.
Irritam-me camisolas de gola alta.
Irrita-me ver talheres cruzados na mesa.
Irritam-me eufemismos.
Irrita-me o silêncio desconfortável.
Irrita-me ouvir desafinar.
Irrita-me quando o esforço não é recompensado.
Irritam-me aqueles que não se esforçam.
Irrita-me saber que vou morrer.
Irritam-me pessoas burras por opção.

Tanto há que me irrita, que já me sinto irritado.

The silence comes with the fog

The Seagull

When I was a child, before I knew the word
for a snowstorm, before I remember
a tree or a field,
I saw an endless grey slate afternoon coming,
I knew a bird singing in the sun
was the same as a dog barking in the dark.
A pigeon in a blizzard fluttered
against a kitchen window,
– my first clear memory of terror,
I kept secret, my intimations
I kept secret.

This winter I hung a grey and white stuffed
felt seagull from the cord of my window shade,
a reminder of good times by the sea,
of Chekhov and impossible love.
I took comfort from the gull, the graceful shape
sometimes lifted a wing in the drafty room.
Once when I looked at the gull I saw
through the window a living seagull glide
toward me then disappear, – what a rush of life!
I remember its hereness,
while inside the room
the senseless symbol
little more than a bedroom slipper
dangled on a string.

Beyond argument, my oldest emotion
hangs like a gull in the distant sky.
Eyes behind bars of mud and salt
see some dark thing below,
– my roof under the sea.
Only the sky is taken for granted.
In the quiet morning light,
terror’s the only bird I know,
– although birds have fed from my hand.


STANLEY MOSS (1982)
 back to basics

domingo, 21 de janeiro de 2018

Estórias com histórias

Nem todas  as histórias são de Amor. Mesmo as que são nem sempre têm um final feliz. Até as que terminam mal podem ser boas histórias, com momentos plenos de felicidade. 
Existem histórias de conquista, de metamorfose, de perda; há histórias repletas de sorrisos, de lágrimas, de olhares cúmplices, de abraços apertados. 
As minhas histórias são tão boas quanto as dos outros e tão trágicas como outras.
Consigo vivê-las com bastante intensidade, mas revivê-las corrói uma parte de mim, que não mais regenera.
As piores histórias são as de perca. Essas assombram-me de uma forma cortante.  Nunca me consegui preparar para perder algo ou alguém cujo significado fizesse parte de mim. Nós não funcionamos aos bocados, precisamos de estar inteiros. Esse rasgar de uma parte da minha essência, irreversível, altera quem sou, criando em mim uma mutação.
Aceitar é evoluir, olhar em frente. Criar novas bases, traçar novos caminhos; mas a aceitação é tão difícil quando aquilo que temos de aceitar é tudo aquilo que menos sentido nos faz. 
Somos um  e somente um. Porque é tão difícil bastar-mo-nos, sem muletas, sem acessórios, sem alguém por quem ansiamos tanto dar a mão?
As minhas histórias têm tido todo o tipo de enredo, tristeza, felicidade pura, angústia, sorrisos, medo, Paixão... 
A maior delas ainda está para ser vivida, ou então todas as outras são fragmentos de algo maior que ainda está inacabado.



domingo, 27 de agosto de 2017

Os meus Gatos



Apresento os meus gatos. .
Vou começar pela amarela, a Hortelã. Encontrámo-la  na rua com cerca de duas semanas, em muito mau estado. Doente e mal tratada. Sorte a dela haver cá em casa uma Veterinária que a reabilitou e salvou. É a nossa gata mais normal. Parece mesmo um gato. Muito meiga, gosta de estar sempre onde nós estamos. Tem uma predileção por sitios altos.
A que está ao lado é a Pimenta. Quando a Hortelã veio cá para casa, fomos a uma loja de animais comprar-lhe uma cama e estavam lá cinco gatos bebés para adoção, sendo um deles a Pimenta. Foi amor à primeira vista e trouxemo-la para casa juntamente com a cama nova da Hortelã. Demoraram cerca de três dias a relacionarem-se e desde aí que são como irmãs legítimas. A Pimenta é a Gótica lá de casa, adora isolar-se, esconder-se dentro de armários e gavetas o que por vezes nos faz andar imenso tempo à procura dela. Só vem ter connosco quando lhe apetece.
O de cima que está deitado em cima dos livros é o Mário. É um gato que estava no canil e que veio muito traumatizado. Foi o único sobrevivente de cerca de 20 gatos que foram atacados por cães e no canil tinha um comportamento que indicava ser agressivo para com as pessoas, o que fazia com que ninguém o adoptasse. Na verdade não é nada agressivo, É super medroso e raramente deixa que o agarremos, foge sempre que o tentamos fazer. Agora, passados uns meses já vem ter connosco e deita-se ao nosso lado, mas se lhe começamos a fazer festinhas foge e vai para o sitio favorito, A Pilha de Livros de História de Arte.
Já são parte da Família e mesmo com alguns desajustes, são os melhores gatos do Mundo.

sábado, 26 de agosto de 2017

A Boy and His Dad




A boy and his dad on a fishing trip-
There is a glorious fellowship!
Father and son and the open sky,
And the white clouds lazily drifting by,
And the laughing stream as it runs along
With the clicking reel like a martial song,
And the father teaching the youngster gay
How to land a fish in the sportsman's way.

I fancy I hear them talking there
In an open boat, and speech is fair;
And the boy is learning the ways of men
From the finest man in his youthful ken.
Kings, to youngster, cannot compare
With the gentle father who's with him there.
And the greatest mind of the human race
Not for one minute could take his place.

Which is happier, man or boy?
The soul of the father is steeped in joy,
For he's finding out, to his heart's delight,
That his son is fit for the future fight.
He is learning the glorious depths of him.
And the thoughts he thinks and his every whim,
And he shall discover, when night comes on,
How close he has grown to his little son.

Oh, I envy them, as I see them there
Under the sky in the open air,
For out of the old, old long-ago
Come the summer days that I used to know,
When I learned life's truth from my father's lips
As I shared the joy of his fishing trips-
A boy and his dad on a fishing trip-
Builders of life's companionship!

by: Edgar A. Guest