A margem de um rio separava-os. Ele, em pé com os pés dentro de água. Ela sentada no velho Cais, agora em ruínas onde milhares de barcos descarregaram cereais vindos dos Campos da Lezíria.
Olhavam-se ao longe. Em silêncio porque é no silêncio que as almas viajam.Na margem onde ele permanecia de pé, imóvel, imune ao frio que lhe congelava os pés, havia um velho barco a remos. Podia embarcar e ir ao encontro dela. Podia resistir e esperar um sinal.
Não sentia medo. Não havia nada que o impelisse a ir ou a ficar. Havia um certo conforto naquele vai e não vai, como se nada dependesse dele . É certo que o barco estava na sua margem, mas talvez sentisse demasiada fadiga para remar. Nem sequer se tratava daquilo que mais importava; era a Paz que sentia que o fazia permanecer imóvel. Ela não conseguia chegar até ele. Não porque não tivesse meios para o fazer, nem por uma questão de vontade. Apenas porque às vezes não se consegue, sem justificações, sem uma razão racional.
Ambos se sentiam confiantes , sem dúvidas e sem quaisquer certezas.
Não era o Rio que os separava. Na realidade apesar da distância continuavam próximos. Tão próximos como duas almas que um dia se cruzaram e se diluíram uma na outra tornando eterno esse misturar de partículas etéreas.
Olhavam nos olhos um do outro e sorriam porque há olhares construídos de pureza despojada de qualquer dúvida ou obrigação.
O Sol descia e a noite vinha devagarinho, até se tornar numa cortina negra que impedia que se continuassem a ver.
Talvez lá tivessem continuado, imóveis nas suas margens; ou ele remasse ao seu seu encontro; ou então quando o dia raiou as margens estivessem vazias deles, mas repletas de fragmentos de algo que perduraria para sempre no Tempo.
https://youtu.be/5PC68rEfF-o