sábado, 22 de julho de 2017

A soma das incertezas

Existem aqueles que ficam e os que partem. Não interessam as razões da escolha. Os que ficam, por opção ou por conforto, podem ser tão mais ou menos infelizes do que aqueles que partem pela imperatibilidade da fuga.
Fugir é tão legítimo como ficar. Não se trata de uma luta entre o bem versus o mal. Apenas uma carta que podemos jogar.
Sou dos que ficam, mas também sou dos que partem. Sou dos que agarro e dos que permito que soltem amarras.
Em consciência não sou nenhum de ambos. Incongruente? Completamente...
Por vezes dou comigo a rodopiar num Carrocel de Cristal, que gira no sentido contrário ao dos ponteiros dos relógios, tentando contornar (enganar) o Tempo.
Vã demanda esta; impossível contornar aquilo que nos manieta através da sua vontade irrepreensível e derradeira.
Sou o exemplo da pluralidade da inconstância e da singularidade do desejo atroz de não ter de suportar o fardo da inevitabilidade.
Nunca a mudança me condicionou. Permito-me aqui ser desonesto e reafirmar que nunca a mudança me moldou. Sou o somatório de escolhas e de comportamentos, de erros conscientes e de outros camuflados no meu desiquilíbrio emocional. Racionalmente não falho tanto, mas nem sempre tenho a capacidade de escolher entre a racionalidade e a loucura congénita construída sobre alicerces de areia solta que me conduzem a lugares lúgubres onde velhos e novos fantasmas dançam ao som de uma estranha melodia monocórdica, de mão estendida para me guiarem.
Recordo-me de ter escrito cem vezes num quadro negro de lousa com giz branco a frase: "Só por hoje vou contrariar a minha vontade e não caminharei descalço sobre vidros de garrafas partidas durante um festim de apologia à demência para o qual não fui convidado". De todas as vezes em que escrevia esta frase, aquilo que eu retinha era sobre qual a razão pela qual  eu não tinha recebido um convite para este banquete.
Agora sei que não devia de ter faltado às aulas sobre o Cartesianismo. Preciso tanto das ferramentas que aí eram distribuídas gratuitamente e sem reservas.
Questiono-me se ainda terei tempo para voltar a poder falhar. Estou certo que falharei, mas tenho dúvidas se o Tempo estará ainda à espera, ou se já partiu deixando-me com um relógio avariado nas mãos, sem um esquema e com um mecanismo tão complexo e difuso que nada mais me restará do que me sentar e esperar que o Tempo um dia se lembre e me venha resgatar a este lugar estranho dimensionalmente vazio.

Got the music in you baby ...Tell me why


2 comentários:

  1. Gostei tanto deste texto. Fala sobre fragilidade, escolhas e consequências. Sinto sem te conhecer que os últimos tempos não têm sido fáceis para ti, espero de coração que também não sejam assim tão negros. Gostei também imenso da música, não conhecia.
    Tudo de bom para ti e ficarei à espera de mais textos.

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  2. Este texto faz-me lembrar algumas obras de Foucault onde ele aborda o “cuidado de si”, num eixo tricêntrico de relações poder-saber-liberdade e a importância que a interpretação de si mesmo, dos outros e do mundo tem no processo de constituição da sua existência ética, com vista à transformação nunca acabada do sujeito.
    Parabéns, gostei muito. Um abraço.

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